Face às mudanças em Angola, até agora mais ao nível do acessório do que da substância, o activista Luaty Beirão afirmou, hoje, em Paris, que “a luta não precisa de ser nos mesmos moldes para sempre”, mas avisa que não vai “atirar a toalha para o chão”.
Em entrevista à Lusa e RFI, à margem da conferência “Angola: de Dos Santos a Lourenço, transição esperada, transformação sustentável?”, que hoje decorreu no Instituto Francês de Relações Internacionais (IFRI), em Paris, Luaty Beirao disse que é preciso aproveitar a “retórica de abertura” do Presidente João Lourenço.
“A luta não precisa de ser nos mesmos moldes para sempre. Nós, no tempo de Eduardo dos Santos, não tínhamos um espaço de fala, não havia a diversidade, a pluralidade das vozes, não havia direito à crítica. Então era preciso nós sermos confrontacionistas e conquistar esse espaço. Neste momento há uma retórica de abertura. Então essa abertura tem que ser explorada”, afirmou.
Luaty Beirão, um dos rostos mais emblemáticos da oposição ao anterior Presidente José Eduardo dos Santos, considerou que “as pessoas agora sentem que têm esse espaço para agir” e que se deve “aproveitar estes espaços de abertura que existem, criar pontes de diálogo e tentar forçar o Governo a perceber que não pode haver evolução e desenvolvimento sem uma sociedade civil forte”.
“Quando há uma abertura para conversar, nós também temos que saber explorar e temos que mostrar que não somos só da pancada. Não há um atirar da toalha ao chão, há uma vontade de explorar esses novos espaços que existem”, reiterou.
Como exemplos de “pequenas coisas” que “dentro do contexto angolano, são mudanças enormes de atitude do Governo ‘vis-a-vis’ da sociedade civil”, Luaty Beirão apontou o projecto de monitorização do processo eleitoral, realizado pela associação cívica angolana Handeka, da qual foi co-fundador, assim como a revisão do Orçamento Geral do Estado “por influência da sociedade civil”.
“Esta abertura que se está a criar por parte dos detentores do poder ‘vis-a-vis’ daqueles que o contestam não é negligenciável e nós não podemos ser injustos e dizer ‘Onde é que está a próxima situação de confronto e vamos só criticar e bater lá’. Não, nós temos que saber também aplaudir onde é para aplaudir. Mas não vamos de todo abdicar das reivindicações”, avisou.
O activista apontou que uma das reivindicações tem sido a lei de repatriamento de capitais que descreve como “uma lavagem de dinheiro patrocinada pelo Estado” e que graças à intervenção da sociedade civil perdeu o “carácter de urgência porque ia ser aprovada à vontade pelo MPLA”.
Um dia depois da publicação do ‘ranking’ da ONG Repórter Sem Fronteiras sobre a liberdade de imprensa – que coloca Angola na posição 121 em 180 países, com uma subida de quatro lugares – Luaty Beirão sublinhou que “não é satisfatório ainda, mas há uma transformação enorme” na liberdade de imprensa em Angola.
“A imprensa pública passou de ser chacota e desprezada para ser tida em conta porque começou a introduzir vozes plurais, começou a chamar pessoas tidas como críticas, que não são alinhadas a nenhum partido e que vão para o ‘plateau’ da televisão pública e falam abertamente de João Lourenço sem muitos doutorismos e falam dos casos do Manuel Vicente e falam dos casos do Zenú dos Santos quase sem pudor. Isto era impensável há sete meses”, defendeu.
Luaty Beirão considerou, ainda, que o Presidente João Lourenço “tomou algumas atitudes que eram completamente inesperadas” e que “começa a ficar mais posta de parte a possibilidade de se tratar meramente de teatro”, mas que “só passaram sete meses” e que “há sinais preocupantes ao mesmo tempo que há esses animadores”.
Entre os sinais preocupantes, estão, por exemplo, “indícios da continuidade da interferência do poder político no poder judicial” no caso do ex-vice-Presidente em Angola, Manuel Vicente, que está a ser julgado – enquanto Presidente do Conselho de Administração da Sonangol – em Portugal no âmbito da Operação Fizz, por suspeitas de corrupção.
“Estou paulatinamente a ficar convencido que vai muito para lá do teatro. Tem a ver com necessidades que não são explicadas às pessoas mas que terá muito provavelmente a ver com o estado profundo de falência em que se deixou o país. É preciso enviar sinais aos investidores estrangeiros e já não podemos viver naquela era da maquilhagem, em que as leis existem e não são aplicadas”, continuou.
Considerando, ainda, que “Angola perdeu influência com a queda do barril de petróleo” e que João Lourenço tem de gerir o país “com uma situação complicada”, Luaty Beirão disse que há “explicações mais profundas do que aquilo que transparece para fora e que dá a entender que é uma pessoa do povo” mas que “por arrasto vai beneficiar o povo”.
“As mudanças no dia-a-dia das pessoas só vão começar a acontecer quando começar a haver emprego, quando se controlar a inflação, quando a economia começar a funcionar. Mas estas primeiras medidas, o que elas provocam a nível psicológico, a nível da aura que está a viver neste momento em Angola, não são negligenciáveis. As pessoas, apesar da dificuldade financeira que têm, têm esperança que a situação vai melhorar”, afirmou.
Luaty Beirão disse, ainda, que todos sabem que “existe ali uma luta de poder” entre José Eduardo dos Santos, presidente do MPLA e ex-Presidente do país, e João Lourenço, Presidente do país e vice-presidente do partido no poder desde 1975, que, na sua perspectiva, “já está vencida por João Lourenço” que “aparentemente já conseguiu conquistar a sua influência no seio do partido também”.
Folha 8 com Lusa